sábado, 5 de maio de 2012

Resignação ou Coragem?




Manhã de sábado, o outono dá seus últimos suspiros de despedida do verão, é o veranico de maio nos lembrando como um sol ameno pode ser gostoso e o quanto deve ser aproveitado antes que aquele senhor emburrado, lento e casmurro, tome conta dos nossos dias e noites, suportados com lareiras acesas, vinhos tintos e edredons (com alguma sorte em boa companhia...) ou, quando mais não é possível, há sempre um livro a nossa espera repletos de heroínas "com os olhos cheios de carinho e as mãos cheias de perdão"...

Mas, não estou ouvindo Vinícius neste momento, a trilha sonora dessa manhã ensolarada é Quarteto em Cy... cantando divinamente, de tudo um pouco, de Ari Barroso e Caymmi a Jobim e Noel Rosa...

Eu, por aqui, aprecio da janela do apartamento a movimentação da feira enquanto penso, escrevo e como meu 'pequeno-almoço', como diriam os meus queridos portugueses, feito de iogurte (um espetáculo de iogurte chamado "Sans Souci" (que lindo nome!!!) produzido aqui pertinho em Eldorado do Sul).

Como meu iogurte com bananas picadinhas e moranguinhos (frugal não!?), enquanto desfruto desse raríssimo "dolce far niente" e, mais ainda, do prazeroso silêncio, apesar de estar no centro de uma capital bastante movimentada (embora não chegue a ser uma metrópole tão desvairada como outras...), esse é o privilégio de se estar 11 andares acima do chão, os barulhos da cidade perdem-se, dissipam-se, fragmentam-se em ruídos ao se elevarem do lugar onde são produzidos... (ainda bem que não moro perto do aeroporto!!!)

Porto Alegre é meu refúgio, meu exílio voluntário, é para onde fujo das severas responsabilidades do ser que é MÃE... é meu espaço de epochè...

E é sobre isso que quero escrever hoje, sobre como nos descobrimos exercendo um papel sociocultural tão importante sem qualquer tipo de preparação prévia, tornamo-nos mães e pais no exercício desse ofício. Árduo, difícil, angustiante, mas também carinhoso, quentinho e macio...

Vejam que a primeira parte está relacionada ao fazer e a segunda ao sentir, tornamo-nos pais e mães, da mesma maneira que nos tornamos humanos, ou seja, em contato com outros seres humanos...

Tornar-se pai ou mãe é deixar de ser filho/filha, é assumir uma responsabilidade que se fôssemos devidamente informados e instruídos, não aceitaríamos o encargo...

Filhos não são algo que se possa deixar para depois (depois que eles nascem!!!), eles nos obrigam a cada instante a deixarmos de ser indivíduos para sermos instituições, mãe é uma instituição!!! alguém duvida disso!?!?

Mas a minha questão aqui é sobre as escolhas que fazemos e o que isso implica em relação a essas criaturinhas que dependem de nós, do nosso exemplo, da nossa capacidade de não desistir, da nossa luta diária e constante conosco para deixarmos tudo o que gostaríamos de fazer sempre para depois, porque eles precisam de nós agora!!!

Escrevo sobre isso porque minha separação é recente, e antes que ela se concretizasse muito foi ponderado, discutido e avaliado, a fim de que eu, principalmente eu, soubesse o que isso significava para que pudesse explicá-la aos meus filhos de 13 e 10 anos...

À seguir está o texto que a Renata-mãe escreveu para a Renata-mulher, apresentando seus argumentos sobre a difícil decisão de romper com um casamento de 20 anos (escrito em Agosto/2011)

É tão difícil o exercício da auto-observação, colocar-se em distância e ângulo apropriados a fim de observarmo-nos...

Há, pelo menos, um fato inconteste nisso tudo, eu não seria não ficaria e não estaria feliz em qualquer situação que causasse sofrimento naqueles que amo... isso é fato.

Por outro lado, vejo que isso também deve ser ponderado com cautela, no sentido de que não posso transmitir aos meus filhos a idéia da busca pela felicidade, tornando-me infeliz, isso também contraria um preceito básico, segundo o qual ensinamos pelo exemplo e, mais que isso, transmitimos aos filhos o que somos e não as idéias que temos sobre as coisas, mas como as vivemos...

Outras implicações decorrem daí, ou seja, os valores que cultivamos: a verdade, o amor, a amizade, o companheirismo, a solidariedade, a resignação, a responsabilidade, a sinceridade, a lealdade...

Há 13 anos, no caso do Francisco, e há 10 anos, no caso do Cadu, tenho transmitido esses princípios em atitudes, palavras e pensamentos, mas vejo que daqui em diante terei que fazer escolhas que colocarão à prova esses princípios construídos ao longo desses anos e terei que fazê-las, sobretudo, para que esses princípios mantenham a sua validade...

Não é possível transmitir a verdade numa situação que não acredito mais verdadeira, que não corresponde a minha verdade interior, a qual meus sentimentos não mais  encontram-se verdadeiramente colocados...

É claro que ainda é possível transmitir amor, mas ele será um amor abnegado, um amor resignado e não o amor realizado em si mesmo, será um amor colocado para eles, mas que está temporariamente estancado em mim...

A amizade e o companheirismo também podem ser transmitidos, a despeito da intensidade desses sentimentos, mas são possíveis...

A resignação e a responsabilidade são irmãs siamesas, no entanto, se a responsabilidade implica num exercício tão absurdo de anulação do indivíduo como ser dotado da necessidade de realização pessoal, então é necessário avaliar em que medida estarei transmitindo a responsabilidade pela estabilidade emocional deles, ou se estarei transmitindo um sofrimento interior imposto pela resignação...

As mais complicadas são mesmo a sinceridade e a lealdade, as duas me colocam na incômoda posição de hipócrita, é claro que posso estar sinceramente envolvida na tarefa de ser mãe e proporcionar a estabilidade necessária aos meus filhos porque isso é minha responsabilidade, entretanto, onde estaria a lealdade que mantém a confiança, base de qualquer relacionamento, como poderia ser leal e ensiná-la sem acreditar em sua possibilidade?

Mas há outro valor que não mencionei e que é tão importante quanto os demais só que nos intimida: a coragem. A coragem de enfrentar nossos medos e nossos prazeres, a coragem de lutar pela nossa felicidade para que possamos transmiti-las com mais consistência, a coragem de mudar, a coragem de iniciar um novo ciclo, a coragem de sair do conforto e lutar...

Escrevo isso porque preciso pensar sobre essas questões e a escrita às materializa para mim, as torna concretas...

Sabe, nunca tive medo da morte, a idéia de fim nunca me foi insuportável, e a tenho presente sempre comigo, mas tenho uma imensa angústia quanto à infelicidade, se a nossa vida é finita e tão repleta de dificuldades, dores e injustiças me parece um contra-senso vivê-la sem buscar o motivo que nos faz suportar isso tudo...

Sempre acreditei que deveria ensinar com meu exemplo a que meus filhos compreendessem o quanto a vida é dura e trabalhosa, mas que vale a pena porque estamos aqui e se isso nos acontece, cabe a nós torná-la boa e bela, não o tempo todo, mas desfrutando intensamente, verdadeiramente dos bons momentos que a vida nos proporciona, sem desprezar os presentes que ela nos dá... que são tão poucos...

Fazer em honra da divindade o que é da nossa natureza de seres humanos é não desprezar esse presente divino que é a nossa vida, procurar a nossa humana realização implica não separarmos o corpo e o espírito, nem desejo e razão, nem amor e vontade, enfim implica na busca pela totalidade, pela completude, pela coragem de ser feliz!

Assim a pergunta que me faço é: que ensinamento quero, realmente, transmitir aos meus filhos, que tipo de pessoa pretendo ser para eles, se o sofrimento estará embutido em qualquer escolha que façamos, que atitude quero que compreendam a resignação ou a coragem?

Me sinto numa fase da vida, que é realmente crucial, porque não há mais tempo a desperdiçar, vivemos coisas boas, conhecemos pessoas maravilhosas, fizemos escolhas certas e erradas, enfim, chegamos até aqui apesar e por causa de muitas coisas e pessoas, é necessário parar para pensar sobre isso, sobre continuidades e rupturas, sobre começos e fins, talvez esse quase outono da minha existência, esteja precisando da alegria da primavera, do aconchego e do calor das estações mais exuberantes...

Antes que o inverno existencial se aproxime e eu me arrependa de não ter guardado os mantimentos necessários para sobreviver a ele... essa desinquietude que se abateu em minha alma é um sintoma dessa necessidade, dessa insatisfação, dessa vontade de despertar novamente para a vida...

Para que vejamos a nós mesmos, segundo Pe. Antonio Vieira, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz, mas é preciso que se complementem para que possamos observar a nossa alma: o espelho, segundo a minha interpretação pagã, são as nossas crenças interiores, nossos valores (aqueles que elenquei acima); a luz é a nossa capacidade racional aliada a capacidade emocional, porque razão sem emoção produz um ser insensível, portanto, razão e emoção são a graça divina que nos concederam; e, finalmente, os olhos são nosso entendimento, a nossa capacidade de compreensão, eu diria que nossos olhos são a nossa consciência.

Espelho, luz e olhos; valores, razão/emoção e consciência, são, portanto, os suportes que devem servir para o nosso auto-conhecimento... além disso tudo, eu penso que é importante crer, acreditar na nossa capacidade de discernimento, confiar nos nossos sentimentos, dar um voto ao coração...

Se para falar ao coração são necessárias obras, precisamos olhar para trás, para história que construímos e não desprezar o que foi vivido e conquistado, nossos filhos são frutos de momentos felizes, e eles sabem disso, para que se preserve o sentido de felicidade é necessário que nossas ações correspondam para a manutenção desse conceito tão abstrato, tão particular e tão fisicamente sensível... inclusive para que eles saibam o que significa o seu custo coletivo, e não apenas individual... essa é uma lição importante...

Desse modo entendo que a árvore da nossa vida deu frutos muito proveitosos, produzimos flores formosas, varas rigorosas, folhas verdejantes, ramos bem estendidos, fomos e somos troncos fortes... cumprimos com excelência as primeiras partes da nossa existência...

Há uma metáfora interessante que diz que “Eva comeu o pomo da ciência, mas não lhe guardou as pevides”, e não as guardou porque o pomo era furtado, e “o alheio é bom para comer, mas não é bom para semear; é bom para comer, porque dizem que é saboroso; mas não é bom para semear porque não nasce.”

Não tenho vocação para o alheio, nem para usufruí-lo nem para sê-lo... preciso frutificar, e para frutificar preciso ser exclusivamente, posso esperar, mas não posso não saber o que esperar...

Também não uso armas, uso atributos, armas causam danos, atributos causam impressões, armas esgotam-se quando se esgota a munição, atributos não cessam de produzir efeitos a menos que desistam do objetivo...

Meus atributos são fruto de árduo trabalho interior, foram cultivados longamente, continuam em processo de aperfeiçoamento constante, e só são dirigidos a objetos e objetivos que os mereçam... e não devem ser desperdiçados...

Escrevo porque quero apresentar minhas razões, quero que minha voz seja razoável, que não seja uma voz que brade, quero apenas ser ouvida e, se possível, compreendida... pretendo que a minha voz te alcance naturalmente e que sem forçar se insinue, entre e penetre na tua alma, no teu coração e, talvez, movimente as fibras do teu corpo na minha direção...

Tenho a esperança de “et fructum afferunt in patientia.”



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