domingo, 6 de maio de 2012

Culpa ou Responsabilidade?



Quem convive comigo está acostumado a me ouvir dizer que tenho um sério desvio de comportamento moral porque não sinto CULPA, eu apenas assumo a RESPONSABILIDADE pelos meus atos, nunca a culpa!!!
Então, porque considero importante explicar essa distinção que faço, é que resolvi fazer o esforço de explicar o que difere para mim a culpa da responsabilidade.
Lá vou eu, novamente, discutir comigo mesma… Vamos lá, comecemos pelos argumentos de autoridade:
Segundo o Aurélio:
Culpa: falta, delito, crime
Responsabilidade: obrigação de responder pelas ações próprias ou dos outros
Na minha modesta concepção: A culpa, palavrinha que eu considero asquerosa, é uma criação do mundo cristão, se preferirem judaico-cristão pode ser também…, para que a sua instituição, a Igreja, pudesse exercer de maneira adequada o controle sobre as emoções dos indivíduos.
Assim a culpa surge para minimizar os efeitos das paixões, comportamentos e atitudes, mas não no sentido de infundir nos indivíduos uma consciência sobre seus equívocos mas para, através da culpa, conseguir que o indivíduo fosse subjugado a uma força divina superior que julga a partir de uma admissão de falta e que concede um “pseudo” perdão a partir do arrependimento, prometendo uma recompensa na “vida” após a morte…
A culpa, portanto, é um pilar fundamental dessa Instituição para o exercício de seu poder de conceder o perdão e a redenção… não importa se o indíviduo assuma de fato, ou que ele compreenda as raízes ou necessidades de seu comportamento, basta que sua alma seja entregue de bandeja ao controle “divino”…
Por outro lado, a Responsabilidade, virtude que de fato eu aprecio e prezo tem sua origem nas formulações filosóficas dos gregos antigos, sobretudo, Platão e Aristóteles desenvolverão seus discursos nesse sentido… se para um a Razão era o bem supremo a ser alcançado, para o outro havia uma preocupação no modo de exercício dessa Razão, no agir político amplo, ou seja, no agir com o outro… aí está a minha admiração irrestrita por Aristóteles e, na sequência, meu desprezo pelos padres da Igreja que corrompem em nome da “fé” o melhor pensamento já articulado no mundo ocidental, ou seja, a ética da responsabilidade…
Não sou especialista em ética, mas como já refleti muito sobre esse tema, acredito que posso desenvolvê-lo com alguma consistência e, como não sou mulher de meio termo e às vezes até mesmo um pouco temerária nesses últimos tempos, lá vamos nós…
Nesse sentido, a responsabilidade é uma capacidade desenvolvida pelos indivíduos a partir de suas ações para com os demais, com base em parâmetros éticos e morais que são cultivados pelo espírito, como fruto de uma trajetória individual que deve aperfeiçoar-se não apenas com a passagem do tempo, mas como produto da reflexão sobre o agir é, portanto, uma busca consciente pelo aprimoramento do comportamento a partir da reflexão…
Muito bem, acho que está mais ou menos definido o meu entendimento sobre essas categorias…
Como eu não acredito, nem em vida após a morte, nem em paraíso ou qualquer redenção divina, eu diria que o que fazemos por aqui (nessa vida que vivemos) acertamos ou erramos por aqui mesmo e, nesse sentido, pagamos o preço por isso…
O que me importa não é a quantidade de erros e acertos, mas minha capacidade de utilizá-los para o meu aprimoramento de ser humano, porque não viso à santidade, tampouco a perfeição…
Não querendo ser injusta, me parece que a culpa se aproxima muito mais da hipocrisia do que a responsabilidade. Embora eu saiba que é impossível a existência sem a hipocrisia, - mesmo com grandes doses de responsabilidade - o que basicamente as diferencia é a consciência, ou a atitude consciente diante dos atos…
No agir responsável não há transferência de poder, nem do agir, nem das consequências, nem do julgamento moral, portanto, o indivíduo se submete conscientemente à avaliação de seus atos e arca do mesmo modo com a sentença que lhe é conferida num contexto terreno, por outros humanos que elaboram os códigos morais de acordo com as convenções sociais e o mundo humano.
Assim, pode-se condenar alguém a uma pena qualquer por maltratar a outro, por ferir, por matar ou prejudicar de alguma maneira, mas não é possível condenar as pessoas por sentimentos. A Igreja julga sentimentos e pensamentos. Ela não permite que os indivíduos sintam emoções que são definidas como prejudiciais por um código que é divino e não humano…
Para não parecer contraditória, devo explicar o que diferencia meu entendimento sobre considerar também pensamentos e sentimentos como ações passíveis de censura ética… penso que temos valores que norteiam nossas atitudes, as crenças individuais que nos guiam já falei sobre esses valores antes, portanto, não vou explicá-los novamente.
Mas o que difere substancialmente a minha crença na responsabilidade guiada por esses valores é que, embora acredite que eles são universais, acredito que os indivíduos não agem universalmente, pois têm entendimentos e sentimentos que variam de pessoa para pessoa, assim o que para mim significa “verdade” ou “bem” num relacionamento, para outra pessoa pode ter um significado diferente, mas igualmente válido para si (indivíduo)…
A Igreja não respeita individualidades, ela pretende a homogeneização de pensamentos e comportamentos e não no sentido do bem agir, mas no sentido de controlar e sobrepor-se a capacidade humana de julgamento, porque arroga para si esse poder… (ok, posso até concordar que essa não é uma peculiaridade da Igreja, qualquer instituição visa ao comportamente homogêneo, no entanto, só ela o faz a partir de uma perspectiva não terrena…)
Assim, para mim, o bem agir significa que devo respeitar a mim como indivíduo que tem desejos e necessidades para que, a partir daí eu possa respeitar os demais indivíduos que me cercam, senão há uma grande possibilidade de que eu queira impor aos demais o mesmo sacrifício que me impus, e não concordo com esse tipo de atitude porque ela não permite escolha. Há sempre apenas um modo de agir ou seja, pela abnegação, pelo sacrifício, em busca do perdão que a culpa acarreta.
“Se para falar ao coração são necessárias obras, precisamos olhar para trás, para história que construímos e não desprezar o que foi vivido e conquistado, nossos filhos são frutos de momentos felizes, e eles sabem disso, para que se preserve o sentido de felicidade é necessário que nossas ações correspondam para a manutenção desse conceito tão abstrato, tão particular e tão fisicamente sensível... inclusive para que eles saibam o que significa o seu custo coletivo, e não apenas individual... essa é uma lição importante...”
Quando me referi ao exemplo em relação aos nossos filhos, para mim esse é um valor e um compromisso, não consigo, não conseguiria ser hipócrita a ponto de falar sobre confiança, amor e felicidade, sem estar convicta da minha prática sobre esses princípios.
Para mim é sumamente importante estar feliz para ensinar o preço dessa felicidade e também a contrapartida de infelicidade que temos de suportar, portanto, se eu estiver infeliz, não poderei ensinar pelo exemplo o que significaria a felicidade.
Só a felicidade permite o contraponto.
Por isso me referi ao custo coletivo e individual, buscamos a felicidade como indivíduos, mas num contexto coletivo e é esse exercício de conciliação que não deve sufocar ou reprimir completamente o desejo individual, pois se eu me anular para e pelos outros, não conseguirei transmitir a idéia de escolha porque só o indivíduo pode exercer o poder de escolha, a não ser que o coletivo (a instituição) o sufoque.
Quanfo falo de felicidade, estou me referindo a realização pessoal, ao que já me referi como a busca pela completude, a não separação entre o corpo e o espírito, nem desejo e razão, nem amor e prazer.
Porque acredito na busca pela completude, justamente, pela consciência de nossa humana incompletude.
Portanto acredito na importância de transmitir a eles que não existe apenas uma forma de alcançar as felicidades numa vida, ao contrário, são inúmeras as possibilidade, fazemos escolhas e pagamos o preço de bancá-las, mas esse preço deve ser pago pelo prazer que desfrutamos no sentimento. O contrário disso é abrir mão de minha satisfação individual, em nome de alguma coisa que parece ser imutável, ou que não pode ser realizada de outra maneira, por isso devo me conformar, resignar e sacrificar-me para alcançá-la.
Isso pode ser verdadeiro para as instituições que nos rodeiam que visam a eternidade, mas nós pobres mortais que temos apenas um vida para viver, não podemos pretender que nossas escolhas tenham a intenção de alcançar a eternidade.
O que escreveriam na minha lápide, po exemplo:
Aqui jaz, uma mãe que viveu para os filhos, para que fossem felizes e por isso deixou de ser uma pessoa para tornar-se uma instituição!?!?!?!
Não creio que quero isso! Quero que meus filhos compreendam o valor das escolhas que fiz e que todas elas implicam em perdas e em recompensas, não há uma única maneira de ser pai ou mãe, não há uma única maneira de se constituir uma família, o que existem são laços afetivos que se mantém além desses modelos e às reconstruções de modelos.
A infelicidade parece ser um sentimento mais homogeneizador do que a felicidade, pois a infelicidade tende para a generalidade, mas as pessoas que buscam as suas felicidades são cada uma felizes à sua maneira, porque a felicidade, assim como a filosofia, só pode ser exercida em liberdade, ou seja, pela liberdade e na liberdade de escolha, de livre escolha… (aqui eu estou contrariando Nelson Rodrigues que dizia que todas as famílias felizes se parecem, só as infelizes se diferenciam, porque cada uma é infeliz a sua maneira…)
A filosofia deixa de ser filosofia quando vira dogma, ou quando é utilizada a serviço de qualquer crença religiosa. A felicidade deixa de ser felicidade quando não nos permitimos fazer escolhas em nome do prazer, mas da culpa por senti-lo.
Está aberta a discussão.
Avante!

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