O Rio Grande do Sul não consegue passar
o período comemorativo à Semana Farroupilha sem arroubos, sempre há algum fato
a ser criado e alguma contenda a ser resolvida.
Neste ano, por enquanto, a que emergiu
foi em torno de uma declaração do Diretor técnico do IGTF sobre as precárias condições
de segurança do acampamento farroupilha, no que se refere aos poucos hidrantes
e a inacessibilidade em caso de sinistro.
Não fosse a palavra utilizada pelo
Diretor da instituição, ele seria, em qualquer lugar do mundo, considerado um
gestor público responsável por ocupar-se das questões relativas à segurança do
evento e das pessoas que dele participam.
Entretanto, estamos no Rio Grande do
Sul, e aqui existem dogmas, existem interdições ao discurso no que se refere ao
que os “zelosos cuidadores” da história regional denominam de “tradição”.
Pois bem, no entender daqueles que se
arrogam no direito de decidir sobre o que é verdade ou mentira sobre os usos e
costumes da cultura sul-rio-grandense, a palavra “favela” ou, como disse o
Diretor do IGTF, “favelão gaudério”, não pode sob hipótese alguma ser utilizada
para referir-se ao espaço ocupado pelas “boas” pessoas que cultivam a “tradição”
regional.
Muito bem, a palavra “favela”, segundo o
dicionário Aurélio, significa: “Conjunto de habitações populares, em geral
toscamente construídas e usualmente deficientes de recursos higiênicos”.
Muito bem, eu gostaria de saber no que
tal expressão fere a “liturgia da tradição” campeira?!
Se, originalmente, a expressão
designativa de “Gaúcho” era: “s. m. índio do campo sem domicílio
certo. Cavalo gaúcho é quase o mesmo que cavalo teatino, que não é permanente
em parte alguma.” Tal definição foi estabelecida por Antonio Álvares Pereira Coruja na “Coleção de Vocábulos e Frases usados na
Província de São Pedro do Rio Grande do Sul” e publicada em 1852 na Revista
do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro.
Quem cultiva tanto uma “tradição”
genuína não deveria ofender-se com a designação “favela”, já que o indivíduo
que ela visa enaltecer tem sua história social ligada a impermanência, ao
nomadismo, a precariedade da existência como norma de vida, indivíduo sem
posses, vago, vagabundo e ambulante.
De todo modo, o que me incomoda mais é o
desvio de atenção de uma questão que é administrativa e sob a responsabilidade
do poder público, ser transformada no linchamento de um gestor responsável e
íntegro em suas ações culturais e na defesa ampla das manifestações da cultura
regional.
Me incomoda o fato de que pretensos “cuidadores
e proprietários” de uma única versão da história regional tenham tanto poder de
afastar da organização do evento comemorativo às lutas políticas dos
farroupilhas, um representante da instituição que afinal, é o reduto mesmo dessa
apropriação, desse encampamento da história regional.
O MTG além de proprietário de uma única
versão e tem o poder de decidir qual a visão o poder público deve ter de seus
procedimentos.
E muitos ainda não sabem por que nos
encontramos em um período de grave representação política.